sábado, 24 de fevereiro de 2018

Sonhos em um sistema falho


O ano de 2018 é meu terceiro de cursinho. Medicina? Sim. Era de se esperar devido a quantidade de tempo que passou desde que saí do colégio e que, ainda, passa enquanto tento entrar na universidade. Em 2013, quando estava no primeiro ano do Ensino Médio, decidi que ia me dedicar muito pelos próximos três anos a fim de conseguir o que eu tanto queria. Já se passaram cinco anos e eu estou aqui ainda. 

Muito abdiquei para ter uma chance de alcançar meu sonho: meus hobbies, meus amigos, minha família, meu sono, minha saúde física e mental. Porém, por mais que eu sofresse com tudo que aconteceu, eu acreditava que meu esforço seria recompensado, uma vez que eu, no ditado popular, "fiz por merecer".

Contudo, hoje eu me questiono se o que eu fiz realmente valeu a pena. Apesar de acreditar que tudo tem seu tempo, também creio - ou custava a crer - que tanto tempo dedicado a tal projeto converter-se-ia na minha recompensa, algo que não aconteceu - e sabe Deus se vai acontecer esse ano.

Tento ser resiliente e continuar firme, visto que "só não passa quem desiste". Todavia, como todo estudante sabe, o fardo de não estar na faculdade com, praticamente, vinte anos nas costas é uma característica que a sociedade não deixa de desvalorizar, o que, consequentemente, interfere na sua percepção sobre si mesmo. Conflitos familiares e de amizades também brotam diante desse cenário caótico e tudo que você pode fazer é "sobreviver" se quiser o prêmio. 


O processo seletivo é outro fator que interfere muito na nossa autoestima e na nossa resiliência. A cada ano que passa, se prova mais que o ENEM é um sistema que, apesar de ter acabado com a maioria dos vestibulares tradicionais do país, é muito injusto. Você não consegue medir o nível de dedicação de alguém por ele - o que acaba afetando muito a mente de nós, vestibulandos de medicina.

O resultado saí. Você chora. Chega o SiSU e as vagas são escassas, algo que contribui para a elevação das notas de corte. Logo em seguida aparece o ProUni que, pelo menos para mim, não faz diferença, visto que nunca estudei em escola pública nem fui bolsista na minha instituição particular - um privilégio? Sim. Não posso negar isso em meio as desigualdades que nosso país possui. Mas não significa que minha vida seja mais fácil

FIES. Minha última esperança. Nunca gostei muito da ideia de tentar o programa, seja porque eu não queria ter uma dívida milionária logo após a minha formatura, seja porque eu não queria arriscar ter que largar o curso a qualquer momento por cancelamento do financiamento - situação que ocorreu com muitas pessoas. Mas o desespero é tão grande que a gente até ignora esses "pequenos, porém grandes" detalhes. 

Chegou o FIES. As faculdades que eu estava pleiteando - no caso, a que eu teria condições de sustentar a parcela que o financiamento não cobriria - saíram do sistema esse ano. Possuo nota para as de Salvador, capital do meu estado, que permaneceram, porém não tenho como arcar a outra parcela de uma mensalidade de mais de 8 mil, visto que o teto do financiamento é de 5 mil.


Uma colega minha do cursinho, no meio do ano passado, entrou em uma particular com a nota do Enem. A média dela era 30 pontos menor do que a minha e, com cálculos simples, você vê que isso resulta em uma diferença de 150 pontos na prova do Enem. Mas ela entrou porque tinha como pagar os 7 mil que a faculdade pedia todo mês. Universidade pública está difícil pra entrar - e acreditem em mim quando digo isso porque não entrei em uma federal no segundo semestre de 2017 por causa de 0.06 pontos que a pessoa que estava na minha frente na lista de espera tinha. 


Vestibular de medicina é resistência? É. Mas tem hora que cansa. E o sistema que a gente vive, ao invés de ajudar, complica.


A situação tá tão DESUMANA que eu, hoje, ao ver pessoas partindo para outros cursos, se arriscando em faculdades recém abertas e migrando para a Argentina/Paraguai/Bolívia, não consigo mais julgar como julgava no passado - pra falar a verdade, compreendo muito o lado delas.


Isso não significa que eu vá desistir - é algo que eu quero muito e não me vejo exercendo outra profissão além da medicina. Eu espero, de verdade, que eu posso postar aqui no próximo que eu passei. Espero que todas as estratégias de estudo que eu adotei esse ano surtam efeito. Porém, não sou estúpida, nem alienada para não conseguir enxergar o quadro absurdo ao qual chegamos. Deus proteja os vestibulandos do Brasil porque se for depender do sistema, nós estamos ferrados.